Neto / Nemo | Romancistas Essenciais - Coelho Neto | E-Book | sack.de
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E-Book, Portuguese, Band 11, 370 Seiten

Reihe: Romancistas Essenciais

Neto / Nemo Romancistas Essenciais - Coelho Neto


1. Auflage 2020
ISBN: 978-3-96858-648-9
Verlag: Tacet Books
Format: EPUB
Kopierschutz: 6 - ePub Watermark

E-Book, Portuguese, Band 11, 370 Seiten

Reihe: Romancistas Essenciais

ISBN: 978-3-96858-648-9
Verlag: Tacet Books
Format: EPUB
Kopierschutz: 6 - ePub Watermark



Na coleção Romancistas Essenciais o crítico August Nemo apresenta autores que fazem parte da história da literatura em língua portuguesa. Neste volume temos Coelho Neto, escritor, político, professor e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Foi popular em sua época, snsiderado o 'Príncipe dos Prosadores Brasileiros', numa votação realizada em 1928 pela revista O Malho. Apesar disto, foi consideravelmente combatido pelos modernistas, sendo pouco lido desde então, em verdadeiro ostracismo intelectual e literário. Não deixe de conferir os demais volumes desta série! Essa obra inclui: - Turbilhão. - A Conquista.

Henrique Maximiano Coelho Netto (Caxias, 21 de fevereiro de 1864 Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1934) foi um escritor (cronista, folclorista, romancista, crítico e teatrólogo), político e professor brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras onde foi o fundador da Cadeira número 2

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II
  Foi com surpresa pressaga que, ao avistar a casa, percebeu luzes por entre as persianas, acusando desusada vigília e logo a idéia de um acidente grave sobressaltou-lhe o espírito. Atravessou a rua a correr e bateu açodadamente à porta, aflito, ouvindo soluços e exclamações desesperadas que vinham do fundo da casa. A cozinheira apareceu, embrulhada num xale, com um lenço à cabeça. Ele entrou d'arremesso: — Que é, Felícia? Que tem mamãe? — Foi Nhá Violante que desapareceu, exclamou lamentosamente a negra. Paulo ficou a olhar, num espanto, e, sem tirar o chapéu, avançou pelo corredor, direito à sala de jantar, onde Dona Júlia, com a cabeça entre os braços, dobrada sobre a mesa, soluçava. — Que é, mamãe? Que foi? Então Violante desapareceu? Como? Quando? Ouvindo-lhe a voz, a velha senhora levantou o rosto demudado e, pondo nele os olhos rasos de água, arrancou do peito um suspiro, pronunciando o nome da filha, com uma expressão de imenso desespero. Paulo compreendeu imediatamente o horror do crime que haviam levado a efeito na sua ausência. Teve um movimento impetuoso, lançando os olhos ao corredor, como se quisesse partir no mesmo instante, voltar à noite fria, para seguir no encalço da fugitiva. Mas Dona Júlia, abalada, rompendo em pranto convulso, lançou-lhe as mãos aos ombros, encostando-lhe ao peito a cabeça, cujos cabelos brancos, desfeitos, esvoaçavam e, numa queixa dorida, entrecortada, pôs-se a dizer: "Que nunca esperara aquilo de uma menina que ela criara com tantos sacrifícios, privando-se de tudo para que nada lhe faltasse, trabalhando como uma moura para poder satisfazer os seus caprichos de moça. Ah! nunca esperara tamanha ingratidão!" — Mas como foi? perguntou Paulo, sentando-se numa cadeira próxima. — Não sei, meu filho, não sei. Eu estava deitada, passara pelo sono, um pouco aliviada, depois do curativo. Acordei de repente com uma dor muito viva, umas alfinetadas que me subiam até o peito, como se me estivessem picando. Quis levantar-me para ir buscar a pomada, que estava em cima da cômoda, não pude: as dores eram muitas, tolhiam-me. Foi, então, que cheguei à parede e bati, como sempre fazia. Bati, bati, chamei, e tão alto, que Felícia ouviu na cozinha, e veio correndo, coitada! saber se eu queria alguma coisa. "Ah! meu filho! Eu estava adivinhando, o coração dizia-me que havia acontecido alguma coisa. Antes de cuidar de mim, mandei Felícia ao quarto de Violante. Não sei como não morri quando a rapariga voltou espantada, dizendo que tua irmã não estava lá. Não sei como não morri. Foi Deus que não quis. Fiquei sufocada, com um bolo no peito, como se o meu coração fosse rebentar, e, nem sei como, saltei da cama e fui ao quarto dela. Ah! Paulo, meu filho, nunca pensei que aquela menina fosse capaz de uma coisa assim." O pranto abalou-a de novo, um pranto humilde, infeliz, cortado de gemidos. A negra, então, que se conservava à distância, calada, ousou continuar, e Paulo boquiaberto, esgazeado, levantou a cabeça e fitou nela os olhos. — Ela nem se deitou: a cama está assim mesmo. — E com quem foi? — Quem sabe lá! - gemeu Dona Júlia - algum malvado. — Eu bem dizia a mamãe que não desse tanta liberdade à Violante. — Que havia eu de fazer? Ela é moça, todas as moças namoram. Nunca me passou pela cabeça que minha filha fosse capaz de dar um passo como esse. E agora, meu Deus! que há de ser dela? Paulo, sem responder, ergueu-se, pôs-se a procurar alguma coisa pelos cantos, sobre os móveis. "Meu chapéu...!?" A negra adiantou-se: — Vosmecê está com ele na cabeça, nhonhô. Com o vento da noite, que entrava d'esfuzio pelo corredor, a chama do gás zumbia, ruflava dobrando-se como a de um maçarico; bátegas de água ruflavam nos vidros. Paulo dobrou as calças e, surdamente, pôs-se a rilhar os dentes, curvado, com o pé sobre uma cadeira. Dona Júlia, ouvindo o rumor forte da chuva, que desabara, perguntou lacrimosa: — Queres sair com este tempo? — Então? — Onde vais? — Vou à polícia. Mas... mamãe não desconfia de alguém? — Eu? eu, não; eu vivia sempre metida aqui dentro. A negra resmungou: "Que Nhá Violante conversava de noite com um moço da vizinhança, um que costumava passear de velocípede. As vezes, um soldado parava defronte, junto do muro da Estrada, e ficava até tarde batendo a calçada". — Um soldado? — Ele tem farda, explicou a negra. — E tu és capaz de reconhecê-lo, se o vires? A negra fez um momo: — Hum... eu sou, como não? mas eu tenho muito medo dessa gente, nhonhô. Ele é alto, tem bigode preto. Mas nhonhô não me chame, sou uma pobre velha, ando por aí de noite sozinha. Tenho muito medo dessa gente. — Mas é preciso, Felícia. — Mas não foi ele não, nhonhô; vosmecê pode ficar certo de que não foi ele; Nhá Violante não gostava dele - cuspia, batia com a janela, fazia toda a sorte de desfeitas quando ele se punha a rondar a casa. Não foi ele não, nhonhô. Quem foi não é daqui, fique vosmecê certo. Numa rua passa tanta gente! Quem foi não é daqui, vosmecê há de ver. Paulo encarava-a desconfiado, como se a suspeitasse de conivência no caso. Por fim, resolvendo-se, caminhou alguns passos, mas, voltando-se, pediu à mãe que se recolhesse, que se fosse deitar: Estava doente, não devia ficar ali fora exposta ao frio - podia ter alguma coisa séria. A polícia havia de descobrir o raptor. E insistiu: Que ele bem dizia: tantas vontades haviam de dar naquilo. Violante fazia o que entendia e, se ele falava, ai! porque era impertinente, grosseiro e mais isto e mais aquilo. Ali estava o resultado. Pensou rapidamente no escândalo - nos comentários da vizinhança, nos risinhos dos colegas, nas alusões dos companheiros de trabalho. — Vai, então, meu filho: tem paciência. Vai ver se ainda podes salvar aquela infeliz. E que Deus te acompanhe. Nunca pensei que Violante fosse capaz de fazer isto comigo. Nunca pensei! — Bem, mamãe. a senhora não consegue nada com lágrimas; vá deitar-se. Eu vou à polícia. E baixinho, à negra, com voz trêmula, recomendou: — Não a deixes, Felícia; tem paciência. Ela está doente, pode ter alguma coisa séria com este choque. — Vosmecê pode ir descansado. — Até já, mamãe: e vá deitar-se. Dona Júlia balançou a cabeça desanimadamente, e Paulo enfiou pelo corredor, por onde o vento zunia. Na sala deteve-se, d'olhos altos, trincando os lábios, e, como a negra lembrasse o sobretudo, voltou-se repentinamente: — Hem? — Por que vosmecê não leva o sobretudo? Está chovendo tanto. — Não: não é preciso. Escancarou a porta e mergulhou na escuridão tempestuosa, com o guarda-chuva diante do peito, chapinhando em poças, sem ver, sem ouvir, atordoado e com os olhos cheios de lágrimas que lhe rolavam pela face. Diante da Central, obscura e deserta, elevando os olhos neblinados, viu que eram duas horas. Nem um bonde, nem um tílburi: a praça estava vazia, à chuva. O vento, com uivos, em fortíssimas rajadas, apanhando-lhe o côncavo do guarda-chuva, arrastava-o, como se o quisesse levar, em monção propícia, mais depressa e direito ao destino. Em frente, a sombra era densa e os lampiões, brilhando, irradiavam no aguaceiro como aranhas d'ouro em teias de cristal. Que seria dela? Onde andaria?! Tirou um cigarro do bolso, rebuscou a caixa de fósforos e, como não a encontrasse, teve um ímpeto de cólera, atirando à lama o cigarro úmido e mole. Caminhando, pensava: "Que poderia fazer a polícia sem uma indicação, com uma noite daquelas? De manhã seria tarde; talvez mesmo àquela hora já a sua pobre irmã..." Deteve-se subitamente, sustado por uma cólera violenta, d'olhos cravados no chão; trincou os lábios e um impropério saiu-lhe da boca ressecada. "E a pobre velha? Que seria dela com tamanho choque?" Ouviu um tinido de campainha através do surdo rufar da chuva, voltou-se sôfrego: nada! Pôs-se de novo a caminho, com mais ânsia, pelo meio da rua. Um Bêbedo resmungava, chafurdando nas poças, aos trancos. Passando por uma casa baixa, iluminada, ouviu falas. Sobressaltou-se-lhe o coração num presságio. Talvez estivesse ali. Parou um momento, à escuta, e, atrevendo-se, espiou pelas frestas da persiana e viu, no meio da saleta triste, sobre uma mesa, um pequenino caixão entre velas. Uma mulher contemplava-o chorando e, em volta, outras mulheres, sentadas, cochichavam. Foi-se. Não! Violante devia estar em algum sítio confortável, algum hotel de luxo, com o sedutor. Conhecia-a bem. Não sairia senão com quem lhe pudesse dar o fausto com que sonhava, vendo as gravuras dos figurinos ou lendo as descrições dos romances. Bem certo estava de que a irmã só se deixara arrastar à infâmia por vaidade, calculadamente, não por impulso d'alma. Dobrou instintivamente a Rua da Constituição. Os seus passos ressoavam na rua deserta sem que ele os ouvisse, atordoado com os pensamentos que lhe trabalhavam o espírito. Tomou pela Rua do Núncio, desceu a do Visconde do Rio Branco e, achando-se na do Lavradio, houve nele um renascimento de coragem, uma grande e desanuviada esperança. "Podiam encontrá-la ainda pura. Os agentes conhecem todos os recantos e ela, talvez por pudor, resistisse, dando tempo a que a salvassem." E, quase a correr, aos saltos, evitando os lameiros, lançou-se para a polícia. A medida, porém, que se aproximava, como quem se avizinha de uma ilusão, ia-se-lhe a esperança desfazendo n'alma. Àquela hora o edifício parecia repousar em sono calmo: a própria...



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